Métodos de Introdução à Leitura

Uma das habilidades que os professores de piano clássico consideram fundamental é ser fluente na leitura musical. E a maneira como o aluno é introduzido nessa área é muito importante para que ele desenvolva segurança e fluência na leitura à primeira vista. Neste post vou explorar pros e contras de várias maneiras de introdução à leitura musical. Quando eu comecei a aprender piano, e acredito que muitos de vocês também, já comecei direto lendo as notas na pauta. Hoje, no entanto, com o desenvolvimento dos estudos em pedagogia do piano e na mudança do perfil dos alunos, que cada vez tem menos tempo para praticar e tem um tempo de concentração menor, essa maneira de ensinar a ler música já não é o mais indicado, principalmente para crianças. Começar a ler na partitura desde a primeira aula pode causar atraso técnico, pois o aluno estará muito preocupado em saber que nota tocar e não vai conseguir prestar atenção em outros fatores, como ritmo, qualidade do som e posição da mão; também inibe o desenvolvimento auditivo e limita o aluno a tocar melodias mais simples, em uma região limitada do piano, pois o desenvolvimento da leitura na pauta leva tempo. Hoje em dia, os métodos mais modernos começam com leitura fora do pentagrama, e focam em músicas que exploram diferentes sons (forte, piano, grave, agudo), melodias folclóricas, teclas pretas, e movimentação em toda a extensão do piano. Quanto mais novo o aluno, mais peças fora do pentagrama (em inglês, pre-staff ou off-staff reading/ notation) o aluno deve tocar para reforçar os conceitos aprendidos.

A maioria dos métodos que usam “off-staff reading” começam com peças nas teclas pretas e muitos encorajam o uso de movimentos maiores com o braço para que o aluno minimize a tensão e produza um som cheio, além de reduzir a coordenação individual de cada dedo (o que é difícil para os pequenos). Esse tipo de notação também encoraja os alunos a lerem pelo contorno da melodia (sua direção e os intervalos). Quando começam a tocar nas teclas brancas, eles irão reforçar o nome das notas e sua localização no piano antes de se preocuparem em identificarem a nota na pauta. Nesse tipo de notação, eles também podem tocar músicas que usam tanto teclas brancas e pretas sem a necessidade de se introduzir sustenidos e bemóis.

Quando chega a hora de introduzir o pentagrama, há uma variedade de abordagens usadas por diferentes métodos. Alguns métodos usam uma abordagem exclusivamente, e outros mesclam mais de uma (e essa é a tendência dos métodos mais modernos). A seguir, vou falar sobre essas abordagens e dar alguns exemplos de métodos que as utilizam.

1) Dó Central: essa abordagem é bem comum em métodos mais antigos. Nela, o dó central é a primeira nota apresentada no pentagrama e os polegares direito e esquerdo compartilham essa nota. Cada nota é aprendida individualmente e sua localização no pentagrama é memorizada. Escalas normalmente são apresentadas cedo.

a) Pros: as peças são geralmente melódicas, baseadas em melodias familiares e progressões V–I. Elas usam métricas comuns e frases regulares. Para os alunos, é fácil encontrar o dó central no pentagrama e no teclado. Além disso, eles tem de absorver poucos conceitos de uma vez (uma nota por vez).

b) Contras: a leitura musical depende do reconhecimento de notas individualmente, ao invés de padrões e grupos de notas. Esse atraso no reconhecimento de padrões e grupos dificulta a coordenação entre olhos e mãos, e alunos podem não ter uma visualização clara do teclado e uma sensação cinestésica sólida da relação entre as notas no teclado e na pauta, pois a topografia que relaciona teclas brancas e pretas não é enfatizada. Isso pode fazer com que os alunos olhem muito para as mãos para conferirem se estão tocando as notas certas. Além disso, alguns métodos incluem excesso de dedilhado, e o aluno passa a se guiar apenas por ele. Alguns métodos também não incluem reforço suficiente para os conceitos apresentados, e movem muito rápido, sem enfatizar muita teoria e criatividade. Os alunos também mantém uma posição desconfortável com os braços próximos ao corpo e com os polegares em uma mesma tecla. Isso limita o estudante ao centro do teclado e foca em um desenvolvimento técnico não muito natural. As peças também se limitam a usar teclas brancas por um longo tempo e as outras tonalidades demoram a ser introduzidas, fazendo com que as peças soem parecidas umas com as outras.

c) Métodos: Leila Fletcher, Meu Piano é Divertido, John Thompson.


2)Multi-key: não sei qual seria a melhor tradução para essa abordagem em português, talvez multi-teclas, várias teclas, ou várias/multi tonalidades (se souber, me conte!). Nessa abordagem, o aluno aprende rapidamente a tocar escalas de cinco dedos em todas as tonalidades maiores e os métodos incluem peças em várias tonalidades. As tonalidades/escalas são introduzidas em grupos de acordo com o padrão de teclas brancas e pretas do acorde da tônica (três teclas brancas, branca preta branca, etc.). As músicas sugerem os acordes I IV V e é comum terem melodia em uma mão e acordes na outra.

a) Pros: os alunos aprendem grupos de notas e leem pelo contorno e direção da melodia (e posteriormente por intervalos) quando as peças ficam em uma posição, facilitando a leitura. Essa abordagem utiliza todo o teclado e facilita a movimentação do aluno por ele. Eles ficam confortáveis em todas as tonalidades e podem praticar atividades criativas, como transposição, improvisação e harmonização de melodias. Proporciona que os alunos aprendam acordes cedo, dando um som mais cheio às melodias (mas também aumenta as demandas técnicas). Também facilita o desenvolvimento técnico e liberdade da mão e do braço, pois os alunos vão tocar em várias partes do teclado.

b) Contras: por se basear na leitura de padrões, o reconhecimento de notas individuais fica mais difícil. Os alunos também podem passar a ler pelo dedilhado e ficar dependente de posições. Também podem ficar relutantes e inseguros de tentarem outros padrões, ou moverem fora da posição. Alguns métodos introduzem figuras rítmicas mais rapidamente, o que pode fazer com que o aluno toque ritmos rápidos de maneira imprecisa. Além disso, tocar escalas de cindo dedos de mãos juntas é difícil para iniciantes.

c) Métodos: Robert Pace, Bastien Piano Basics, Alfred’s Piano Library.


3) Intervalar: nessa abordagem, o pentagrama é introduzido uma linha de cada vez, permitindo que os alunos foquem em um intervalo de cada vez. O nome da primeira nota é escrita à esquerda da pauta reduzida, ou ela é mostrada em uma figura. A partir daí, os alunos deduzem qual outras notas tocar. A leitura é feita pelo contorno da melodia e as notas são agrupadas em padrões, permitindo que os alunos identifiquem a relação espacial entre elas. Quando o pentagrama completo é apresentado, notas de referência são utilizadas. A leitura harmônica também é feita por intervalos e os métodos apresentam os conceitos de leitura sistemática e gradualmente.

a) Pros: como os alunos não precisam se preocupar em ler todo o pentagrama de uma vez, eles podem desenvolver um senso mais forte de pulsação e se concentrar em contagem rítmica, além de poderem focar em desenvolver uma técnica confortável e prestar mais atenção na qualidade do som. Usar notas de referência também evita que eles dependam de posições fixas. Em métodos focados na leitura intervalar, cada habilidade e conceito é reforçado de várias maneiras, melhorando a leitura. Alguns métodos incluem peças com compassos irregulares ou compostos. Também focam no uso do braço (whole arm approach, em inglês) e usam dedilhados mais naturais, utilizando primeiramente os dedos 2, 3, e 4. Esse método também faz com que os alunos realmente olhem para a partitura para saber onde começar e qual dedilhado usar, já que as músicas não são fixas em uma posição. As peças apresentam várias tonalidades e registros, explorando maior variedade de sons e efeitos. A leitura intervalar também facilita a transposição de melodias.

b) Contras: uma das maiores desvantagens dessa abordagem é o fato de que não utiliza muitas melodias familiares, e as peças costumam ser lineares, o que pode desestimular o aluno, caso o professor não procure materiais suplementares. Os alunos podem também não ganhar um senso seguro de localização no teclado, e o uso do polegar e quinto dedo é adiado. A leitura harmônica também ocorre mais tardiamente.

c) Métodos: Music Tree, Celebrate Piano.


4) Eclética: Hoje em dia, os métodos tendem a combinar elementos de todas essas abordagens. Eles estimulam a leitura intervalar, mas não introduzem o pentagrama parcialmente. Também apresentam a leitura por posições (multi-key), mas não excluem a posição de Dó Central. Desse modo, tentam utilizar as vantagens de cada uma e minimizar seus pontos negativos.

Métodos: Piano Adventures, Hal Leonard, Alfred’s Premier.

Acredito que todas essas abordagens podem funcionar bem, e um aluno pode se adaptar melhor a um método que a outro, e todos precisam que o professor procure suplementos para fechar suas lacunas. Você tem uma abordagem preferida? Qual delas tem funcionado melhor com seus alunos? Espero que tenham gostado deste post, e até a próxima!

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