Falácias e princípios da educação – Parte 1

Olá pessoal! Sejam bem-vindos ao Pianolândia! Aqui, vou abordar diversos tópicos relacionados ao ensino do piano, incluindo tópicos de pedagogia do instrumento, análise de materiais didáticos, ideias de atividades, e críticas de livros. Neste primeiro post, vou discutir um assunto abordado no texto “Eight Fallacies and Eight Basic Principles of Education” do pedagogo norte-americano Richard Chronister, que, por sua vez, baseou-se nos ensinamentos de Frances Clark. Vou focar em quatro pontos apresentados por ele. Dois essa semana e dois semana que vem, fiquem ligados!

Falácia no. 1: Eu te falo, então você sabe. É fácil nos depararmos com essa falácia no nosso ensino. Por exemplo, quando dizemos: “mas eu não te falei o nome dessa clave semana passada?,” “Eu não te disse o que esse símbolo significa?” estamos baseando nosso ensino nessa falácia. Sempre que esperamos que o aluno lembre algo que dissemos, ou mostramos como corrigir um erro que eles podem corrigir sozinhos, acreditamos (mesmo que inconscientemente) que falar é ensinar.

Princípio no. 1: Eu digo a mim mesmo, então eu sei. O contrário da primeira falácia é o princípio número um. O ensino baseado nesse princípio foca em criar experiências nas quais os alunos aprendam a dizer a si mesmos como estudar em casa e desenvolver uma mente independente que não precise de um professor. Chronister afirma que “o bom professor conta apenas com aquilo que os alunos são capazes de dizer a si mesmos,” (p. 10) e não com o que eles possam lembrar do que dizemos a eles. O autor afirma que muitos professores tentam sair da primeira falácia fazendo perguntas aos alunos. No entanto, se a pergunta já tem a resposta implícita ou se o aluno pode deduzir a resposta pelo simples fato de estarmos perguntando algo, isso não é uma pergunta verdadeira. Por exemplo, se perguntamos: “Ana, você tocou forte nessa frase?,” ela provavelmente vai responder que não, porque ela sabe que, se estamos fazendo essa pergunta, é porque ela não fez algo esperado.

Mas então, como ensinar o aluno a “dizer a si mesmo” o que fazer? Bom, acho que uma boa maneira é analisar a peça com o aluno e associar o conhecimento novo com algo que ele já saiba. Quando introduzo o conceito de grave e agudo, toco notas nesses registros e pergunto quais animais soam assim. A maioria das crianças associa o agudo com o passarinho e o grave com o urso ou o leão. A partir daí, associo o fato de o passarinho voar alto com a notação musical (inicialmente fora do pentagrama, e especialmente em peças que estimulem a movimentação no teclado, como peças do método The Music Tree, (veja no exemplo abaixo), onde notas escritas mais em cima na página são mais agudas e ficam mais à direita no teclado, e as notas mais graves fazem o contrário. Outro exemplo é pedir ao aluno que note similaridades e diferenças entre duas partes da música (diferentes dinâmicas, melodia em qual mão, etc), ou gravar parte de uma música e pedir que ele note, enquanto olha a partitura, qual dinâmica ou articulação usou, se tocou o ritmo certo, etc. Ainda outra maneira, é pedir que o aluno observe a partitura enquanto o professor a toca de duas maneiras (cada vez mudando dinâmicas, articulação, ritmo) e pedir que o aluno escolha a mais apropriada. Essas atividades vão estimular o pensamento crítico do aluno, e o ajudarão a tomar decisões por si mesmo quando estiver estudando em casa, e a transferir o conhecimento para outras situações.

Exemplo 1: “Take Off” do método “The Music Tree,” p. 4

Falácia no. 3: Assumimos que o fragmento do aluno é o mesmo que o nosso. Muitas vezes, por conhecermos algo tão bem e há tanto tempo, consideramos uma informação como senso comum, óbvia, e que todos a veem do mesmo modo. No entanto, nossos alunos, que estão aprendendo algo pela primeira vez, podem fazer associações diferentes das nossas e assumir informações erroneamente. Por exemplo, quando falamos “dedo dois,” sabemos instantaneamente que se trata do indicador, pois contamos a partir do polegar. A criança, no entanto, pode começar a contar a partir do dedo mínimo, e inverter a numeração dos dedos. A linguagem que usamos ao apresentar um conceito pela primeira vez é muito importante para evitar que o aluno crie fragmentos diferentes dos nossos.

É importante também que o professor demonstre o que está ensinando e conecte a informação com sons, gestos, e finalmente, símbolos. Por exemplo, para associar agudos com “sons mais altos,” ou “subindo,” o professor deve primeiro tocar os sons ao ensinar esses termos, e depois mostrar na partitura. Se o professor utiliza o termo sem antes ter demostrado ao aluno, ele pode entender tudo ao contrário, e isso não é culpa dele. Temos de estar sempre bem atentos com nossa linguagem, pois, muitas vezes, os termos mais difíceis de explicar são os que consideramos mais fáceis ou intuitivos. Eu mesma já me peguei dizendo, “agora vou te ajudar a compor sua própria melodia,” no que minha aluninha perguntou, “o que é melodia”? Pelo menos, ela expressou sua dúvida e me deu chance de explicar, mas alguns alunos são tímidos e evitam fazer perguntas. Então, sempre seja claro e conecte o conceito com vários parâmetros (som, símbolo, gesto, etc.).

Princípio no. 3: É trabalho do professor fazer que o fragmento do aluno seja igual ao do professor. Esse princípio está conectado ao princípio no. 1, pois também alerta sobre “dizer não é ensinar,” e prega que devemos ensinar o aluno a ser seu próprio professor. Um dos pontos mais importantes deste princípio é garantir que o aluno experimente o conceito de várias maneiras. Chronister afirma: “toda vez que algo novo era introduzido, um novo ritmo, por exemplo, nós criávamos uma situação na qual o aluno experimentasse o entendimento, o som, a sensação, a contagem, e a notação do ritmo” (p.17). E também diz: “nós fazemos um fragmento de aprendizado ser para o aluno o mesmo que é para nós apenas quando esse aluno puder responder ao novo material sem nenhuma palavra vinda de nós” (p. 18). O autor sugere que o aluno experimente o novo conceito nas aulas muitas vezes antes de ter de praticá-lo em casa. A partir do momento que o aluno demonstre que já sabe que passos seguir e que não precisa de ajuda para realizar a tarefa, aí sim colocamos o exercício como parte do estudo diário em casa (mas ainda não devemos incluir uma peça com o novo conceito, apenas um exercício). Se o aluno for capaz de demonstrar sozinho como deve executar o exercício e o fizer perfeitamente, é sinal de que ele aprendeu corretamente e está pronto para estudar essa atividade por ele mesmo.

Baseado em Chronister, R. “Principles of Teaching and Learning: eight fallacies and eight basic principles of education,” em A Piano Teacher’s Legacy, edited by Edwards Darling, 7–28. Kingston: The Francis Clark Center for Keyboard Pedagogy, 2015.

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